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A mão invisível do golpismo

Somos uma nação vítima do golpismo da elite, desde que nos tornamos uma nação independente em 1822.

Somos uma nação vítima do golpismo da elite, desde que nos tornamos uma nação independente em 1822

Quando eu disse a frase acima, o Carlinhos (que agora decidiu que eu sou de centro direita e que a minha militância política, de quase quarenta e cinco anos, é uma farsa, que faço “tipo”), disse que meus textos estão “esquerdistas demais”, ele disse “que golpe, que nada” e que eu estou “parcial demais” (ele deveria ser o cliente mais feliz do mundo, pois, advogados “imparciais” não cuidam dos interesses dos seus clientes).

Fato é que o Carlinhos e outros tantos amigos tão inteligentes, afinal ficaram ricos e eu não, ele deve ter razão, se a métrica para se aferir a inteligência e o sucesso for o saldo bancário, não é?

Fato é que eu estudo muito e, talvez, por conta desse “negócio de estudar demais” e “nos livros errados”, aprendi que, pouco mais de um ano após a Independência, o Brasil viveu o primeiro golpe, dado pelo próprio imperador D. Pedro I contra a primeira Assembleia Geral Constituinte Brasileira.

Golpe de 1823 – Isso mesmo, constituintes eleitos foram enxotados e assembleia, instalada em 3 de maio de 1823, dissolvida pelo luxurioso português; ele a dissolveu e organizou um conselho de Estado, composto por “homens de sua inteira confiança” responsáveis pela redação final da Constituição em 11 de dezembro de 1823, aprovada em 25 de março de 1824, tudo sem participação popular e sem democracia, como a elite gosta.

Golpe da Maioridade – Ainda no império, no período regencial, ocorreu o segundo golpe de Estado, o “Golpe da Maioridade”, em dia 23 de julho de 1840. Esse golpe foi um modo de o governo provisório – formado em 1831, após a abdicação de D. Pedro I, e que representava a elite e seus interesses -, manter-se no poder e superar as pressões políticas e rebeliões nas províncias; transformaram uma criança de seis anos em imperador, desprezando a lei.

Golpe de 15 de novembro – Com a República não foi diferente e o “15 de novembro”, com suas comemorações desprimorosas, tenta esconder a verdade: somos uma República concebida, gerada e parida no contexto de um golpe de Estado, dado pelo Exército e patrocinado pela elite agrária vingativa e ressentida.

Qual era o ressentimento da elite? Bem, a elite agrária estava às turras com Dom Pedro II, pois o imperador, atendendo pressão internacional patrocinada pela Inglaterra aboliu a escravidão, sem indenizá-la.

E esclareço: os interesses ingleses eram múltiplos e não se concentravam em preocupações humanitárias, na verdade, o tráfico possuía forte impacto sobre os interesses econômicos britânicos, porque, mantida a escravidão os custos de produção de países concorrentes seriam menores e afetariam os mercados consumidores de produtos britânicos, ademais, o fim do tráfico liberaria expressivas quantidades de capitais, que poderiam ser utilizados em outras áreas.

Buscando vingar-se do Imperador a elite usou o Marechal Deodoro, um veterano da Guerra do Paraguai, alagoano e monarquista, e atingiu seu objetivo; Deodoro se prestou ao papel de protagonista de um golpe militar que expulsou do país o imperador, “do dia para a noite”.

De valores democráticos e republicanos não nasceu essa nossa República, por isso ocorreram outros golpes, todos patrocinados pela elite para atender seus interesses econômicos, ou para prestar vassalagem aos interesses internacionais aos quais são associados de alguma forma.

Republica provisória e por decreto – A convicção dos militares em relação a República era tão pequena que no Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, proclamou-se a República “provisoriamente” e, por decreto, sem ouvir o povo, estabeleceu-se como forma de governo da “Nação Brazileira a República Federativa” (era com “z” que se escrevia brasileira à época).

Apenas em 1993 o povo foi chamado e através de um plebiscito determinou democraticamente a forma e o sistema de governo do país, e decidiu que o país deveria ter uma forma de governo republicana e que o sistema seria presidencialista.

“Golpe de Três de Novembro” – Menos de três anos após a proclamação da República ocorreu em 1891 outro golpe; o então presidente Marechal Deodoro da Fonseca dissolveu o congresso em 3 de novembro de 1891 e instaurou um estado de sitio; tudo muito “legal”, afinal ele assinou decretos; Deodoro suspendeu a Constituição e direitos individuais e políticos; o Exército cercou o Senado e garantiu ampla e “espontânea” adesão ao golpe, os “subversivos” foram presos, como de praxe.

Outros Golpes – Há o golpe de Floriano Peixoto, o golpe de 1930, depois a ditadura Vargas, até o Golpe civil-militar de 1964 (que foi concebido em 1950 com a vitória indesejada de Getúlio Vargas – indesejada pelas oligarquias de então – e não aconteceu em 1954 porque Vargas suicidou-se e, transformado em mártir, adiando a sanha de poder daqueles que não tinham e não têm voto).

O golpe de “1964” – 1964 representa uma das páginas mais tristes da nossa História republicana; o golpe de 1964, que atendeu interesses geopolíticos daqueles tempos, foi apoiado pelos avós ou país de diversos dos personagens que apoiaram o golpe contra Dilma Rousseff, a farsa da Lava Jato, a prisão de Lula, a eleição do capitão farsante e que conspiram, diuturnamente, contra a democracia.

Os golpes do século XXI – Como disse Tereza Cruvinel, os golpes nesse século XXI ocorrem de forma violenta, são urdidos com sofisticação e tecnologia, revestidos de ares de legalidade, de constitucionalidade, com transmissão ao vivo pela TV e pelas redes sociais e como são envolvidos num véu de legalidade, eles podem (e poderão) enganar os incautos contemporâneos, mas não iludem a História.

Fruto do Golpe de 2016 – Bolsonaro é o indesejado produto do golpe de 2016, indesejado até pela direita e pela Faria Lima, pois, a consequência está aí: uma horda de gente desqualificada, de extrema-direita, pessoas más, eleitas para as Câmaras de vereadores, assembleias legislativas e para o Congresso Nacional.

O grande Ricardo Lodi Ribeiro afirmou, com sua costumeira inteligência, que os golpes no século XXI não utilizam mais de tanques e baionetas, mas de manipulação de argumentos jurídicos e políticos que querem usurpar o papel da soberania popular na escolha dos governantes, com diligente concurso de uma imprensa vergonhosa, uma imprensa que, segundo Millôr Fernandes, “é a verdadeira oposição, o resto seria armazém de secos & molhados”.

Nenhum dos muitos golpes, que ocorrem e ocorreram no Brasil e pelo mundo levam em conta as pessoas e as consequências para suas vidas; eu não imaginei que viveria um golpe de Estado, nós o vivemos em 2016, mas o golpismo e sua mão invisível não se cansam, são implacáveis.

Peço desculpas aos meus filhos e às minhas netas, pois, eles e elas terão que combater, na defesa da democracia, pessoas más e porque eu não fui capaz de participar mais efetivamente do processo político do Brasil, por não ter sido capaz de impedir o golpe de 2016 e a ascensão do fascismo, representado hoje pelo olavo-bolsonarismo e por ser nada além de um mero expectador impotente diante disso tudo.

Essas são as reflexões.

Foto: Arquivo/ABr

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/a-mao-invisivel-do-golpismo