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Como o “wokeness” mata a política de classe e fortalece o império

“Woke” é, na verdade, uma arma usada para suprimir ainda mais as pessoas marginalizadas, impedir a conscientização sobre a política e a luta de classes.

Muitas vezes, a ideia de “wokeness” ou ideologia “woke”, seja chamando-a assim ou reconhecendo a sua existência, pode ser vista como uma criação da direita. Christian Parenti, professor no John Jay College, jornalista e autor, junta-se ao apresentador Chris Hedges neste episódio de The Chris Hedges Report para argumentar que o que ele e muitos outros definem como “woke” é, na verdade, uma arma usada para suprimir ainda mais as pessoas marginalizadas, impedir a conscientização sobre a política e a luta de classes, além de dividir ainda mais a classe trabalhadora.“Muito do que está em jogo”, Parenti diz a Hedges, “é o distanciamento da luta de classes das lutas culturais. E o que o woke é, é a continuação de todos os objetivos da esquerda iluminista, mas no campo da guerra cultural, no campo das lutas culturais, e esse conflito material é cada vez mais apagado e eliminado.”

Embora as ideias por trás do “wokeness” tentem promover uma sociedade mais igualitária e inclusiva, elas foram corrompidas pelo próprio sistema e, assim, transformadas em uma arma. “A ideologia woke, o wokeness, serve como um arsenal, uma artilharia para a classe gerencial profissional, da qual essa classe pode extrair armamento e proteção em sua guerra cada vez mais hobbesiana de todos contra todos por cargos”, comenta Parenti. Para ele, isso é crucial para entender o incentivo material por trás do que o wokeness representa atualmente, à medida que aparece continuamente nos setores corporativo e acadêmico.

“Há interesses materiais reais para as pessoas, e uma maneira de um gerente profissional/membro dessa classe avançar é usando esses discursos para se promover e se defender”, ele argumenta.

Sua prevalência na sociedade de hoje, afirma Parenti, se manifestou de forma cínica como uma reação ao fato de que, historicamente, as corporações tiveram que desembolsar milhões de dólares em acordos judiciais por discriminação e práticas culturais antiéticas. Atualmente, em contraste, as empresas são muito cuidadosas e até promovem essa ideologia para atrair grupos marginalizados — e, em última análise, aumentar os seus lucros.

Empresas como a Fundação Ford ou a Fundação Rockefeller, argumenta Parenti, podem se apresentar como defensoras da justiça social, mas, na realidade, “[elas] não foram estabelecidas para isso e não estão buscando derrubar, desfazer ou transformar o capitalismo estadunidense. Elas tratam fundamentalmente de legitimar e perpetuá-lo”, ele diz. No fim das contas, a ideologia woke é apenas a ferramenta mais recente para fazer isso.

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Tradução da transcrição do vídeo:

Chris Hedges: A ideologia “woke” é predominante em instituições liberais, especialmente nas universidades, mas ela promove ou prejudica os valores liberais e a inclusividade que afirma defender? Ela busca transformar a sociedade através do que Christian Parenti chama de micropolítica moralizante de etiqueta politizada. Está focada na política da linguagem e dos símbolos, nos pecados de apropriação cultural e na nomeação inadequada, e exige que grupos historicamente oprimidos sejam colocados no centro. Ela defende a política de identidade, priorizando raça, gênero, indigeneidade, orientação sexual, deficiência física, diagnósticos de saúde mental, status de imigração e condição socioeconômica, em vez do conteúdo político. O discurso “woke”, escreve Parenti, “é impregnado de uma mentalidade terapêutica expressa em encantamentos obcecados por segurança sobre danos, traumas, cura, cuidado e fazer o trabalho”. As lutas pessoais se sobrepõem às lutas políticas. Mas, como Parenti argumenta, o “woke” é profundamente anti-intelectual, dotado de uma moralização que traça uma distinção entre os politicamente puros e impuros, amigo e inimigo, o bem e o mal. Ele exige a censura e o cancelamento dos politicamente incorretos, juntamente com livros e ideias. A cultura “woke” substituiu a antiga política universalista de classe – a luta fundamental sobre quem produz riqueza, como e para quem. Ela não apenas divide a classe trabalhadora, mas muitas vezes serve, como Parenti aponta, aos interesses da classe dominante.

Para discutir a cultura “woke”, está comigo Christian Parenti, professor de Economia do John Jay College, da City University de Nova York, e autor do recente artigo “The Cargo Cult of Woke” (O Culto de Carga do Woke).

Vamos começar com o título, Christian. “The Cargo Cult of Woke”. O que é “woke”, onde os participantes acreditam que a justiça social e talvez até mesmo uma revolução podem ser alcançadas através da realização de rituais orientados para a segurança de etiqueta política. Então, vamos definir. O que é isso?

Christian ParentiBem, quero dizer, a sua introdução ajudou a defini-lo. Então, vejo-o como tendo basicamente seis características principais. É essa, como você disse, essa micropolítica de etiqueta… Bem, não vou passar por todas as seis. O “woke” é a subcultura dominante da esquerda agora, e é altamente destrutiva. Se você a criticar na esquerda, muitas pessoas negam a sua existência. Dizem que não há algo como “wokeness” ou cultura “woke”, ou cultura de cancelamento, há apenas cultura de responsabilização. Mas, de fato, o “wokeness” é uma realidade, e é um problema real para a esquerda.

Então, neste artigo, que foi para a Catalyst, a revista associada à Jacobin, uma instituição independente, mas meio que prima-irmã, talvez. É um ensaio de revisão de vários livros que saíram no último ano sobre o “wokeness”, alguns deles da esquerda, alguns da direita, até da extrema direita, e alguns do centro. E eu analiso as suas explicações e tento desmembrá-las. Há, na verdade, uma segunda parte disso, pois o artigo em sua primeira versão estava muito longo, e muita coisa foi deixada de fora, o que estou transformando em outro artigo que vai mais a fundo na história de como a esquerda chegou a isso. Mas o principal problema com o “wokeness” é que ele efetivamente se propõe a oferecer uma transformação total da sociedade, até uma revolução. Mas, na realidade, ele ocorre às custas da política de classe universalista que busca redistribuir a riqueza e mudar como a riqueza é criada, sabe? Ele busca lidar com as questões de como a riqueza é produzida, por quem e para quem, certo? Essas questões são deixadas de lado, e frequentemente, a ideologia “woke” finge querer chegar ao mesmo lugar. Muitos proponentes do “woke” até afirmam ser socialistas e marxistas, mas eu argumento que, na realidade, não se resume a uma política de classe, e muitas vezes, ocorre às custas da boa e velha política de classe universalista.

E a grande ironia, uma das maiores ironias de tudo isso, é que, na verdade, é a política de classe universalista que entrega o máximo para qualquer subgrupo hiper-variado dos mais oprimidos. Isso pode soar sarcástico, mas não é essa a minha intenção. Como digo no artigo, se as pessoas trans negras sofrem desproporcionalmente com o desemprego, a falta de atendimento médico, a falta de moradia adequada, etc., a ironia é que a provisão universal desses bens beneficiaria desproporcionalmente as pessoas trans negras mais marginalizadas, por exemplo, certo? Vemos essa lógica em ação na Seguridade Social. Todos pagam para a Seguridade Social, embora os ricos, é claro, parem de pagar após, seja lá quanto for, talvez 170 mil dólares, ou 150 mil. Esse é o primeiro valor sobre o qual você é tributado.

Mas, de qualquer forma, o ponto é que todos pagam de acordo com sua capacidade, e então todos recebem a Seguridade Social, tanto os milionários quanto os idosos que, de outra forma, estariam desabrigados. E quem se beneficia desproporcionalmente do cheque da Seguridade Social? Os pobres. Os mais pobres se beneficiam desproporcionalmente. Para os milionários e multimilionários, qualquer coisa que a Seguridade Social pague a eles não tem um impacto material em suas vidas. Não é tão importante, mas para o trabalhador médio idoso, aquele cheque é transformador. Sem ele, milhões estariam desabrigados.

Então, acho que isso é importante de ter em mente ao argumentar por e considerar um retorno ou uma ampliação da política de classe universalista, que ela é, na verdade, muito benéfica para todas essas subcategorias oprimidas que a ideologia “woke” afirma servir de maneira mais eficiente e priorizar. Em outras palavras, a história curta é que o “woke” não entrega o que promete.

Chris Hedges: Bem, como você escreve no artigo, é até pernicioso no sentido de que se tornou uma arma nas mãos do Estado corporativo. Você o chama de autoritário e profundamente anti-intelectual. Você escreve que outros na esquerda, em privado, lamentam o “wokeness” e sua obsessão com segurança, mas em público permanecem calados por medo de ataques de multidões “woke” online. Acho que isso é especialmente verdadeiro nas universidades. Em Princeton, por exemplo, essa cultura “woke” baniu o grande romancista negro Richard Wright como misógino, e por isso ele não é ensinado. Mas vamos falar sobre esse autoritarismo e anti-intelectualismo.

Christian Parenti: Sim, eu abro o artigo com um exemplo recente da natureza anti-intelectual e autoritária da ideologia “woke”. A Associação Estadunidense e Canadense de Antropologia, em sua reunião anual, cancelou, unilateralmente a partir do comitê executivo, um painel previamente aprovado chamado “Vamos Falar Sobre Sexo, Baby: A Importância Duradoura do Sexo Biológico para a Antropologia”. E a explicação deles foi que, bem, isso causaria danos aos membros trans e LGBTQ da associação. Quero dizer, isso é meio insano que a Associação de Antropologia não queira ter um painel discutindo, contemplando, lidando com qual papel o sexo biológico deveria desempenhar na disciplina, certo? E eles não fizeram isso por meio de uma votação dos membros, isso foi feito de última hora, após a programação do painel, sabe, de cima para baixo.

Então, quero dizer, esse é um exemplo do autoritarismo “woke”. Mas, quero dizer, está em todo lugar, em que uma das estratégias preferidas hoje em dia é essa cultura do cancelamento de multidões online que visam uma pessoa, vão até seus empregadores, seus financiadores, o que for, e tentam fazê-los ser demitidos, cancelados, etc. Vimos isso com inúmeras pessoas, muitas das quais o mereciam, mas também pode sair do controle. Então, é assim que é autoritário, e quero dizer, é anti-intelectual no sentido de que tem essa intolerância, que você não pode explorar. Se você quer permanecer nas boas graças da ideologia “woke”, e daqueles que o denunciam, você não pode fazer perguntas difíceis. Você tem que adotar a linguagem correta, etc., etc.

Quero dizer, também é incrivelmente divisivo. Um dos livros discutidos é o livro de Yascha Mounk, “The Identity Trap”, e ele tem alguns exemplos realmente surpreendentes de apenas segregar racialmente crianças de cinco anos em algumas escolas privadas de elite. Há vários exemplos desse tipo de racismo, mas em nome do antirracismo, segregação de jovens em escolas particulares, mas também exemplos disso em escolas públicas. E você se pergunta, como isso pode ser legal? Então, nesse sentido, é incrivelmente divisivo.

Chris Hedges: Você cita Adolph Reed no final, e ele se refere a esse antirracismo como política de classe. Acho que isso explica essa ideia. E você também observa que, embora a política woke professe preocupação com os oprimidos, você diz que ela está correta no conteúdo porque é compatível com a exploração econômica.

Christian Parenti: Sim, um exemplo disso, que cito no artigo, é como a CIA teve esses anúncios online chamados “Humanos da CIA.” Um deles era uma latina que fez um discurso woke impecável sobre como…

Chris Hedges: Você tem que ler isso. Você tem aí na sua frente?

Christian Parenti: Sim, é bem hilário. Ok, aqui vamos nós. Sim, “Humanos da CIA.” Então, isso é o que ela diz. Ela diz: “Sou uma millennial cisgênero que foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada. Sou interseccional, mas minha existência não é um exercício de marcar caixas. Eu não me infiltrei na CIA. Meu emprego não foi, e não é, resultado de uma casualidade ou um deslize. Eu costumava lutar contra a síndrome do impostor”, diz ela [inaudível]. “Mas, aos 36 anos, me recuso a internalizar ideias patriarcais equivocadas sobre o que uma mulher pode ou deve ser, certo?” Então, isso vem da CIA, certo? Uma organização que derruba governos, assassina pessoas e, devemos dizer, tem um longo histórico de interferência na política e cultura dos EUA de maneiras bastante destrutivas.

Se a CIA pode tentar se legitimar com o discurso woke, então isso realmente mostra o quão flexível é em termos de sua relação com o poder. Outra coisa que me veio à mente, outro exemplo, foi Jamie Raskin, há um ano ou algo assim, falando sobre como, antes da guerra na Ucrânia, Putin era homofóbico e transfóbico e todo esse tipo de coisa. Isso é como se fosse a ideologia woke a serviço de uma guerra por procuração dos EUA. Então, é completamente compatível com tudo isso e, na verdade, não é apenas compatível, é realmente muito útil para o império estadunidense legitimá-lo, devolver-lhe uma espécie de verniz de legitimidade moral.

E, em termos de Adolph Reed, no final há uma seção onde eu discuto como a classe gerencial profissional abraça a ideologia woke. Assim, do fim da Segunda Guerra Mundial até o presente, a velha pequena burguesia de comerciantes e pequenos empresários é cada vez mais absorvida pela estrutura corporativa, as estruturas das universidades, corporações, esse tipo de coisa. E aí surge uma classe, uma classe de trabalhadores, deve-se dizer, que são fundamentalmente apenas trabalhadores, mas são uma base política diferente dos trabalhadores de colarinho azul, certo?

A classe gerencial profissional, que tem como tarefa gerenciar alguma parte de uma hierarquia. Logo que essa classe surge e cresce nos anos 60 e 70, ela também começa a experimentar um novo tipo de precariedade. Há, no final dos anos 70, os primeiros experimentos no que agora reconheceríamos como reestruturação econômica neoliberal.

Então, começando com o choque de Volcker em 1980 e com o Reaganomics, há uma desregulamentação maciça, cortes de impostos que facilitam a redistribuição ascendente de riqueza, uma desindustrialização massiva, uma expansão do setor financeiro. E, com tudo isso, o ritmo dos ciclos econômicos do capitalismo aumenta. Você tem mais booms e bolhas frequentes e extremas. E, ligado a tudo isso, há um aumento na destruição criativa da economia capitalista em todo o Ocidente, mas particularmente nos Estados Unidos.

E isso significa que essa classe gerencial profissional, praticamente assim que atinge sua forma de pico, também se encontra sob todo tipo de tensões. A empresa para a qual você trabalha agora provavelmente será comprada e reestruturada, e assim as pessoas estão constantemente lutando para manter as suas posições. Você vê isso muito claramente na academia. O número de professores adjuntos aumentou massivamente na academia, enquanto o número total de professores acompanhou e correspondeu ao número de estudantes, o número de professores titulares diminuiu radicalmente, e o número de pessoas trabalhando em contratos de curto prazo aumentou enormemente.

Isso introduz uma intensa precariedade e medo de cair, como Barbara Ehrenreich colocou em seu grande livro com esse título. E assim, a ideologia woke serve como uma armadura, um arsenal para a classe gerencial profissional retirar armamentos e proteção em sua guerra cada vez mais hobbesiana de todos contra todos pelos postos. E isso é um importante tipo de incentivo material para o que impulsiona isso. Há reais interesses materiais para as pessoas, e uma maneira pela qual um gerente profissional/membro dessa classe pode avançar é usando esses argumentos para se promover e se defender.

Chris Hedges: Mas você diz que, no processo, isso apaga a política de classe… impressionante.

Christian Parenti: Sim, bem, isso apaga a política de classe mais ampla de pensar sobre a relação de alguém com os meios de produção. A sua renda… ela deriva da propriedade do capital ou é principalmente o resultado da venda do seu trabalho? Seja esse trabalho não qualificado ou altamente qualificado, ainda é fundamentalmente o mesmo tipo de relação que um trabalhador, seja ele um médico altamente treinado ou um cavador de valas, tem com o negócio, certo? É fundamentalmente diferente de ser o dono do negócio e abrir seus extratos de dividendos uma vez por mês e sacar os cheques.

E, claro, há um híbrido, esse é um tipo ideal, certo? Muitos trabalhadores também recebem uma pequena parte da renda, você sabe, através da propriedade de capital, por meio de seus 401K [isenções no imposto de renda], etc, certo? E há muitos ricos que também trabalham e recebem altos salários como gerentes e proprietários de empresas, etc. Mas essa é a questão fundamental no cerne da política de classe, e tudo isso é apagado pelo “wokeness”, porque todas essas outras questões, que são importantes, não estou dizendo que não são importantes, mas todas essas outras questões acabam ofuscando a questão de classe e se propõem a ir na mesma direção.

Prometem que vão acabar melhorando as condições materiais das pessoas, exceto com base nesses subconjuntos variados. E essa é fundamentalmente a lógica do Federalista 10 de [James] Madison, “divide et impera”, certo? E ele diz no Federalista 10 que está respondendo a elites que estão preocupadas que a Constituição, se ratificada, dará muito poder ao povo, certo? E Madison diz: “não, não, não se preocupe com isso. O único perigo é se todos os desprovidos de propriedade se unirem, aí sim haverá uma ameaça, de que poderiam usar a democracia política”. Mas a boa notícia é que sempre há facções, como ele chama, na sociedade.

E você sabe, há divisão em torno da religião, da geografia, de diferentes tipos de comércio, de questões de classe, certo? A maior fonte de facção, ele diz, é a da propriedade, entre os que têm e os que não têm, certo? Mas a solução para impedir o uso do processo democrático para a luta de classes é dividir a maioria, o que chamaríamos de classe trabalhadora, dividir o que ele considera os desprovidos de propriedade, dividi-los em quantos subgrupos forem possíveis. E muitas dessas divisões surgem naturalmente, e quando necessário, pode haver empurrões e facilitação de divisões mais profundas.

Isso é fundamentalmente o que a política “woke” faz; ela continua esse tipo de “divide et impera”. E o que Adolph Reed quer dizer quando fala sobre… na verdade, deve-se dizer, ele não gosta do termo “woke” porque acha que é uma invenção da direita. Eu discordo, obviamente, mas o que ele diz sobre política de identidade é que é uma política de classe, e isso em ambos os sentidos. É uma política de classe porque obscurece a relação fundamental entre a classe trabalhadora e a classe dominante, a classe capitalista, e os trabalhadores. Obscurece isso.

Mas também é uma política de classe porque é a política de uma classe, que é a classe gerencial profissional, uma espécie de elite de nível médio, que usa essas questões para encontrar posições para si mesma, acumular poder e depois proteger esses cargos.

Vamos explicar o que Mounk quer dizer quando usa o termo “síntese de identidade”, esse é o termo dele para a mentalidade “woke”. E também falar sobre a ascensão de todos esses novos centros e departamentos acadêmicos que estão focados em questões de identidade. Bem, quero dizer, Mounk não, nenhum desses autores discute ou realmente desenvolve o que eles querem dizer por ideologia “woke”. E então, você sabe, o que Mounk quer dizer com “síntese de identidade” é uma espécie de interseccionalidade, em certa medida. É esse foco extremo na natureza da identidade de alguém e, em seguida, construir uma política a partir disso; que sempre retorna a isso.

E em termos desses centros acadêmicos, você vê, quero dizer, muitos dos livros que discuto são escritos por acadêmicos. E uma das minhas críticas é que esses acadêmicos talvez superestimem o papel da academia em tudo isso. Mas houve uma ascensão, desde os anos 60, desses centros acadêmicos que não são departamentos, o que é importante de várias maneiras.

Uma coisa que Mounk não menciona é que, tradicionalmente, a universidade era autogovernada, e houve uma mudança desde a Segunda Guerra Mundial, onde a administração ficou cada vez maior. Há um grande livro sobre isso de Benjamin Ginsberg, que é professor emérito na [Universidade] Johns Hopkins, chamado “The Fall of the Faculty: The Rise of the All-Administrative University” [A Queda do Corpo Docente: A Ascenção da Universidade Toda-Administrativa]. Mas uma das maneiras pelas quais o corpo docente, que ainda é um grupo muito privilegiado de trabalhadores, mas muito menos à medida que nossas fileiras, você sabe, como a estabilidade no cargo é eliminada ou substituída por trabalho adjunto.

Mas uma das maneiras pelas quais o corpo docente é enfraquecido é em vez de canalizar recursos para departamentos, departamentos acadêmicos que ainda são autogovernados e frequentemente são pequenas democracias, muitas vezes lugares contenciosos e terríveis para trabalhar. Não o lugar onde eu trabalho, que é um ótimo lugar, mas esses centros dispensam toda essa burocracia; você não tem como os professores votarem em contratações, votarem em mudanças curriculares. Esses centros geralmente são construídos em torno de um indivíduo carismático, e eles apelam para financiadores, e os financiadores têm influência excessiva, influência direta, sobre o conteúdo do que será pesquisado, apresentado ao público, etc.

E o que é financiado, surpresa, surpresa, não é a política da classe trabalhadora, a luta de classes, o ativismo anti-imperialista; é essa política divisiva de subgrupos de identidade cada vez mais raros. E isso é uma grande parte do que ajuda a empurrar o “wokeness”, porque esses são os lugares onde estão os empregos, e esses são os lugares onde estão os empregos porque é para lá que o dinheiro das elites está indo, certo?

Se você olhar para o site da Fundação Ford, ou da Fundação Rockefeller Brothers, ou qualquer uma dessas fundações, quero dizer, apenas olhe, faça uma pesquisa por palavra-chave por justiça social, certo? A esquerda moderna nos Estados Unidos depende muito, muito dessas fundações, que são em si ferramentas da classe dominante americana, financiadas por fortunas construídas às custas de mineiros de carvão e exploração de combustíveis fósseis, etc, etc. E, você sabe, essas fundações não são estabelecidas para e não buscam derrubar, desfazer ou transformar o capitalismo estadunidense, elas tratam fundamentalmente sobre como legitimá-lo e perpetuá-lo.

E elas se tornaram muito hábeis em usar uma retórica que, à primeira vista, você ouve ecos dos anos 60. À primeira vista, eu penso: “isso é bastante radical”, mas você percebe que não é. É totalmente compatível com a hierarquia de classe cada vez mais desigual que é a nossa sociedade aqui.

Chris HedgesNão, continue.

Christian Parenti: Bem, outra força material por trás de tudo isso é a lei. E o último livro que discuti é, na verdade, de um direitista realmente, bastante odioso, Richard Hanania, que era um racista assumido. Mas devo dizer que o seu livro levanta um ponto interessante. Ele afirma que muito do que, essencialmente, a cultura woke é consequência da lei, especificamente da Lei dos Direitos Civis de 1964, que ele não gosta e gostaria de se livrar.

Mas esta é a parte interessante do argumento dele. Ele diz que é a fraqueza da lei que perpetua o “wokeness”. Do que ele está falando? Bem, a Lei dos Direitos Civis permite a aplicação pelo setor privado nos tribunais civis, e tem parâmetros incrivelmente vagos.

Por exemplo, por algum motivo que, honestamente, não está muito claro para mim, cotas de contratação sempre foram tabu nos Estados Unidos. Isso é, acredito, Eisenhower disse, você sabe, ao ser confrontado pela primeira vez com a legislação de direitos civis, que no exército, desde que não houvesse cotas, certo? Desde então, talvez tenha sido Truman, essa ideia ficou. Mas, de fato, existem cotas. Existem cotas informais. E assim, parte do que você aprende no meio acadêmico moderno é esse tipo de mentira e duplo-padrão.

De qualquer forma, na vaguidade dessa lei, ele a compara, até certo ponto, com o que está acontecendo na França. Na França, por exemplo, existem certas leis contra a discriminação. Por exemplo, as empresas francesas devem contratar uma certa porcentagem de trabalhadores deficientes. Isso é uma cota. É estabelecida pelo ministério do trabalho, e o ministério do trabalho a aplica, certo?

Nos Estados Unidos, não temos nada parecido, isso seria ilegal, mas, em vez disso, o que temos é uma lei que diz que você, como trabalhador, consumidor ou pessoa, pode processar instituições se tiver sido discriminado. E isso leva a, eu deveria me interromper por um segundo. Há também a aplicação de violações da lei de direitos civis pelo governo federal, mas grande parte da aplicação é deixada para o setor privado.

Então, o que aconteceu nas últimas décadas é que as empresas estadunidenses têm enfrentado processos judiciais muito caros, você sabe, de 100 a 200 milhões de dólares às vezes, basicamente, como, acho que cerca de 95% das empresas da Fortune 500 tiveram que pagar indenizações bastante significativas por vários tipos de discriminação racial e sexista, certo?

Então, o que elas fazem para se defender? Bem, começam a investir na infraestrutura de RH e na infraestrutura terceirizada de consultores e treinadores de diversidade, etc., etc. E fazem isso na esperança de que não terão, que possam extirpar os gerentes racistas e sexistas, ou pelo menos a mentalidade dos gerentes que possam ter essas atitudes, fazê-los calar a boca e parar de custar dinheiro à empresa.

Mas, se isso falhar, eles também têm uma defesa, porque dizem, olhem, ao tribunal eles dizem, olhem, investimos fortemente em tentar criar um ambiente de trabalho inclusivo. Então, isso é uma enorme quantia de dinheiro que vai para pessoas como Ibram X. Kendi e Robin DiAngelo. E há uma indústria inteira, pessoas ganham uma vida relativamente boa fazendo esse tipo de treinamento em torno dessas ideias woke.

E inculcando, também, não é apenas ideias e argumentos, é todo um tipo de sensibilidade, certo? É por isso que é uma subcultura. É como se a preocupação com etiqueta e estética fosse absolutamente importante nisso. E isso é parte do motivo pelo qual os EUA corporativos, as pessoas perguntam: por que os EUA corporativos se envolvem nessas coisas? Para se defender contra processos judiciais, porque a história de 95% das empresas da Fortune 500 tendo que pagar grandes acordos por causa de sua intolerância, certo?

Então, elas investem pesadamente nessa infraestrutura empreendedora do setor privado. E então, esse quadro de especialistas, é claro, vê a necessidade dos seus serviços em todos os lugares. E, como resultado, você tem certas ideias da esquerda das ciências sociais extraídas e distorcidas.

Por exemplo, a ideia de racismo estrutural tornou-se a noção de racismo sistêmico. O racismo estrutural é a ideia de que há resultados racistas mesmo quando não há intenção racista, que estruturas como mercados de habitação, sistemas de financiamento educacional que são parcialmente dependentes dos valores das propriedades, como isso pode levar a resultados injustos para diferentes grupos demográficos, certo?

O racismo sistêmico é a ideia de que o racismo está em toda parte e em todos, e que tudo é racista. As duas ideias parecem semelhantes, racismo estrutural, racismo sistêmico. Qual a diferença? Elas são, na verdade, muito diferentes. Então, agora, esse quadro que pode captar dinheiro, não apenas das universidades e fundações, mas também do setor privado, está constantemente empurrando essas ideias para a sensibilidade, e isso é uma parte muito importante de onde tudo isso vem.

Outra parte de onde isso vem, que deixei de fora do artigo, mas que, se eu fosse refazê-lo e tivesse mais tempo, mais espaço, a administração Obama desempenha um papel muito importante nisso. Mounk observa que a grande imprensa se tornou woke por volta de 2010 e que tudo isso antecede Trump. Isso não é apenas uma reação a Trump, mas o uso de termos como racismo sistêmico aumenta em ordens de magnitude no New York Times, uso no New York Times e no The Washington Post, etc.

E, embora ela não entre nesse ponto, Laura Kipnis o faz em seu livro, que não é um dos livros resenhados aqui, chamado “Unwanted Advances” [Avanços Não-Desejádos]. E ela mostra como a interpretação do governo Obama sobre o Título IX e o uso do que chamou de cartas “Dear Colleague” [Caro Colega] realmente desencadeou uma espécie de pânico sexual nos campi, que ela documenta de maneira crítica. E esse é um livro muito bom, mas acho que essa é uma parte muito importante da explosão woke. Essas cartas “Dear Colleague” da administração Obama sobre como o Título IX deve ser interpretado.

Chris HedgesVamos falar sobre mídia social…

Christian Parenti: Para evitar mal-entendidos. Então, Hanania, ele quer acabar com a lei dos direitos civis. Isso é uma ideia terrível, mas o que argumento neste artigo é que as evidências que ele apresenta podem ser usadas para a conclusão exatamente oposta, que é que talvez o que precisemos de uma lei de direitos civis mais clara e mais forte. Precisamos ter um papel maior do governo e talvez, você sabe, uma discussão sobre cotas, já que as temos informalmente, mas negamos isso. E para acabar com todo esse sistema de propulsão do setor privado e empreendedor para a ideologia woke.

Chris Hedges: Quero falar sobre mídias sociais e você está citando Mounk, “a ascensão de uma versão popularizada da síntese de identidade para transformar as ideias de pensadores sérios,” ele provavelmente está pensando em [Michel] Foucault, “em memes e slogans simplistas.”

Christian Parenti: Sim, qual é a pergunta nisso, tipo, o que…

Chris Hedges: Eu quero saber como isso funciona. Quero dizer, o que aconteceu? Você tem figuras como Edward Said e [Michel] Foucault e outros, mas é o reducionismo, como suas ideias, que são muito complexas, muitas vezes, e especialmente com Edward, ideias nuançadas são reduzidas a uma fórmula simplista para servir à cultura woke.

Christian Parenti: Bem, quero dizer, isso acontece… Eu não acho que a versão de Mounk sobre isso seja particularmente boa. Todos os acadêmicos levantam este caso contra o pós-estruturalismo. E quero dizer, eles têm um ponto. O que acontece… Mas a coisa que eles deixam de fora é a seguinte: o que acontece simultaneamente com a chegada do pós-estruturalismo da Europa no final dos anos 70, início dos anos 80, simultaneamente, há o legado do macartismo, certo? No fundo de tudo isso, deve-se entender o impacto do medo vermelho. Taft-Hartley, então na segunda metade deste artigo, que estou trabalhando agora, está quase pronto, eu entro no papel da Lei Taft-Hartley. Isso é muito importante, já que a Lei Taft-Hartley não apenas enfraquece o trabalho organizado em um sentido quantitativo, mas também mina qualitativamente todos os tipos de práticas de solidariedade que ajudam a construir a consciência de classe.

Chris Hedges: Mas deixe-me interromper para explicar. Esta é a Lei Taft-Hartley de 1947, que essencialmente proíbe qualquer tipo de greve de simpatia. Ela anula absolutamente a capacidade de trabalhadores em greve de terem qualquer tipo de impacto.

Christian Parenti: Certo, boicotes, greves de simpatia, esse tipo de coisa. Os comunistas são expurgados do CIO [uma das federações sindicais nos EUA]. Você tem a Lei Smith, onde políticos socialistas são realmente processados. Você tem o macartismo e o medo vermelho, e isso continua. Então você tem o florescimento desse tipo de radicalismo da nova esquerda, mas logo depois, há uma muito séria caça às bruxas ao longo de tudo isso, essa caça às bruxas dentro das universidades. E muitos marxistas perdem os seus empregos na universidade. E então o que acontece é que essa nova teoria radical da Europa chega, que é uma reação, por exemplo, da pena de Foucault. Quero dizer, Foucault é membro do Partido Comunista Francês por um tempo, mas nos anos 50, o Partido Comunista Francês era hegemônico entre os intelectuais, e nem sempre tinha boas ideias, e tinha uma espécie de cultura burocratizada, e há muito sobre esse projeto para criticar. E assim Foucault faz parte de uma geração de intelectuais de esquerda que se tornam cada vez mais anti-comunistas enquanto promovem novos tipos de radicalismo. E assim é isso que Foucault é aceito nos EUA e outros, certo? E assim, à medida que um vácuo é criado pela contínua caça às bruxas e as listas negras de professores, meu pai era uma dessas pessoas. Ele era formado em Yale, PhD, e foi tratado muito bem, até que, nos anos 60, seus alunos começaram a radicalizá-lo, e ele se tornou um radical e um marxista, e depois disso, achou muito, muito difícil conseguir e manter empregos. Muitos marxistas tiveram essa experiência.

Chris Hedges: E deixe-me apenas intercalar que você está falando sobre Michael Parenti, seu pai, que também escreveu vários ótimos livros, mas Ellen Schrecker fez, se você quiser ler sobre a história de quão brutais foram essas purgas, até o nível do ensino médio. Onde o FBI aparecia em uma escola secundária com uma lista e sem perguntas, sem evidências, de repente, não apenas todos aqueles professores perderam seus empregos, mas eles não conseguiram ser contratados em nenhum outro lugar. Então esse é um momento nos EUA que é extremamente importante. E Ellen Schrecker escreveu dois bons livros, “No Ivory Tower” [A Torre de |Marfim] e “[Many Are] the Crimes” [São Muitos Os Crimes], eu acho que é o nome do outro, mas ela documentou essa história, e eu não sabia quão pervasiva essas listas negras eram até ler aqueles livros.

Christian Parenti: Sim, então isso cria uma atmosfera de hostilidade e um vácuo, e então entram essas novas ideias atraentes sobre como, bem, há um tipo diferente de revolução e radicalismo que se concentra nas micropolíticas da resistência e na política da identidade, etc., etc. E parte da crítica que torna essa onda pós-estruturalista tão atraente é que, o argumento de Foucault é que o marxismo é essa teoria incrivelmente poderosa, e é essencialmente o auge do Iluminismo na metafísica ocidental. E, no entanto, nas mãos do estado soviético, produz, ajuda a produzir os gulags, certo? Então o problema é fazer qualquer tipo de afirmações de verdade abrangentes, e assim você tem que se opor a isso e meio que estilhaçar a epistemologia e o conhecimento em pedaços menores. E isso se tornou muito útil e muito atraente para os acadêmicos porque era uma maneira de ser radical, uma maneira de ser subversivo, e também uma maneira de falar sobre problemas reais. Realmente há racismo, realmente há sexismo, certo? Pessoas com deficiência realmente são maltratadas e rejeitadas, certo? Então você pode falar sobre problemas reais e ser radical e propor transformações radicais sem confrontar a hierarquia de classes da sociedade, que é onde o poder realmente reside. Não é que essas outras questões não sejam importantes. Elas são, mas é como, na maioria dos casos, as soluções para esses problemas exigem a redistribuição de recursos, que só vem quando a classe dominante, a classe capitalista, a classe proprietária, é confrontada, certo? E assim o pós-estruturalismo permite que os acadêmicos busquem um tipo de política de esquerda que minimiza, em alguns casos, é até abertamente hostil a uma análise de classe e à luta de classes, sabe? Quero dizer, então, o que muito da história se resume é em desligar a luta de classes das lutas culturais. E o que é o woke, é a continuação de todos os objetivos da esquerda iluminista, mas no reino da guerra cultural, no reino das lutas culturais, e aquele conflito material é cada vez mais apagado e apagado.

Chris HedgesE não é feito através dos dois males do relativismo e da subjetividade?

Christian ParentiSim. Quero dizer, não tenho certeza se eu chamaria isso de males. Quero dizer, porque, você sabe… Mas esses são os métodos, com certeza. É como se a questão se tornasse a subjetividade, e um tipo de relativismo moral fosse introduzido, que à primeira vista, se trata de minar as ideologias preconceituosas que dominaram no Ocidente, e dizer, bem, não, é como se houvesse todos os tipos de maneiras diferentes de ser. E a homossexualidade não é uma doença mental, certo? E todos merecem plenos direitos civis, certo? Então há um trabalho importante que é feito pelo relativismo. Dizer, bem, só porque a sua visão de mundo é tal que você acha que isso é um pecado, não significa que você está certo. Você apenas tem um ponto de vista, e há todos os tipos de outros pontos de vista. Então, eu acho que há algo útil nisso, mas isso é usado para minar a tradição marxista-socialista dizendo, bem, isso é redutivo. É essa meta-teoria e é essencialista, e queremos explodir as coisas e ser mais lúdicos do que isso. E em termos da subjetividade, sim, isso é enorme. E outra parte disso, meio que o que vai junto com a subjetividade, é a virada terapêutica. E isso é algo que está na segunda parte do ensaio, certo? Você tem no final da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos psicólogos, psiquiatras, trabalha em instituições, mas há uma enorme desinstitucionalização da profissão antes da desinstitucionalização dos pacientes, que acontece nos dias [inaudíveis]. Mas há uma desinstitucionalização da psicologia e a psicologia do pós-guerra se afasta de apenas lidar com doenças mentais debilitantes, e começa a tentar curar pessoas normais e encontrar patologia em toda parte, e há uma explosão disso, e você vê isso assumindo uma forma bastante maligna, infelizmente, na nova esquerda. Essa é a segunda metade deste ensaio, que ainda não foi publicado, mas você vê a ascensão de grupos de terapia politizados. Há um que eu escrevi sobre em outro lugar, chamado “conselhamento de reavaliação”, que vem desse cara, Harvey Jackins, que foi um dos fundadores, na verdade, da Cientologia. Ele foi processado por L. Ron Hubbard por roubar muitas das ideias de Hubbard. E o aconselhamento de reavaliação ainda é muito grande na esquerda, é associado a partir de 1971, cada vez mais, com o Movimento por uma Nova Sociedade, que é um grupo [que] surge de movimentos quakers. E eles defendem a vida coletiva. E eles estão muito, muito envolvidos nisso, o Movimento por uma Nova Sociedade está muito, muito envolvido nas lutas anti-nucleares e nas lutas de solidariedade com a América Central, e depois nas lutas anti-globalização, e então eles se expandem. Mas a influência deles ainda está lá nesse tipo de anti-comunismo, mas muito radical, quasi-anarquista, mas desvinculados das teorias anarquistas tradicionais, e eles também são muito influenciados por Gene Sharp, que é um dos componentes mais conhecidos da não-violência revolucionária. Mas ao contrário de King e Gandhi, ele é secular. Ele não tem uma cosmologia e moralidade religiosa guiando-o. Sua abordagem à não-violência revolucionária é muito tecnocrática, e ele passa na verdade os primeiros 30 anos de sua carreira em um think-tank financiado pelo Departamento de Defesa [dos EUA]. Ele não é necessariamente financiado diretamente pelo Departamento de Defesa, mas nesse think-tank em Harvard chamado Centro de Assuntos Internacionais. Quando ele chega lá, Henry Kissinger é um dos co-diretores e o estabelecimento de defesa dos EUA usa as ideias de Sharp para basicamente construir o kit de ferramentas da revolução colorida, certo? Então esses mesmos tipos de ideias estão cada vez mais permeando a nova esquerda. O aconselhamento de reavaliação é apenas um exemplo dessas coisas, esses grupos de encontro como o Movimento Radical de Libertação das Mulheres no final dos anos 60. Novamente, esses grupos de encontro e César Chavez, famoso e infelizmente, se envolve com um desses tipos de cultos, Synanon. Então a subjetividade se torna um campo de batalha para a esquerda, e desde os anos 60, vê-se que a subjetividade individual é, de muitas maneiras, o caminho a seguir para uma mudança social maior. Você poderia argumentar que é o contrário. Que a subjetividade das pessoas muda quando as estruturas nas quais estão inseridas mudam. Quero dizer, claro, é um pouco de ambos. De qualquer forma, toda essa virada psicológica dentro da sociedade e então dentro da Nova Esquerda é uma parte muito importante das origens do woke.

Chris Hedges: Há um pequeno ponto, mas penso que seja importante. Você fala sobre a evitação que faz os intelectuais de esquerda se gabarem abertamente de não lerem os seus inimigos políticos é, em si, uma expressão do woke, religiosidade secular. A direita é haram, não toque, para que você também não se torne impuro. Então há toda sorte de figuras com as quais eu não necessariamente concordo. Karl Popper, eu tenho enormes problemas com Reinhold Niebuhr, e ainda assim esses intelectuais informaram profundamente a minha própria compreensão do mundo ao meu redor, embora ideologicamente, eu nem sempre esteja em sintonia com eles. E eu acho que, essencialmente, ao bifurcar o mundo entre aqueles que são aceitáveis e aqueles que não são, isso é anti-intelectual, intelectualmente estagnante. Isso nos estagna.

Christian Parenti

Sim, e o anti-intelectualismo e o autoritarismo estão profundamente ligados. Vimos isso durante a Covid, certo? Não houve discussão alguma sobre qualquer dissidência da linha oficial em torno de qualquer uma dessas medidas, como lockdowns, o uso de vacinas experimentais. Mandatos que demitiam pessoas que não queriam tomar essas vacinas. Não houve discussão à esquerda sobre isso. Volte e pesquise nas páginas da [revista] Jacobin. Pesquise nas páginas da Catalyst, na qual este artigo aparece. Pesquise em qualquer página de jornalistas de esquerda. Não houve discussão crítica alguma sobre nada disso. E, de fato, isso facilitou o que eu considero ser políticas intensamente autoritárias e destrutivas, certo? Esse é apenas um exemplo de como o anti-intelectualismo facilita o autoritarismo. Se você não pode pensar, se você não pode ler certos autores e deixar a sua mente vagar, você vai acabar em um beco sem saída muito estéril e repetitivo. E eu acho que, francamente, é aí que muita da esquerda está hoje, se isolando de ideias mais interessantes. E é uma das maneiras pelas quais a direita conseguiu uma espécie de domínio cultural sobre a esquerda, talvez cínica, mas entretendo ideias. E as pessoas, todas as pessoas, eu acho, estão intelectualmente famintas. Elas podem não parecer famintas intelectualmente, não estou dizendo que todo mundo quer ler teoria esotérica, não. Mas as pessoas têm ideias sobre as coisas. As pessoas têm ideias sobre a realidade. Quero dizer, o número de pessoas neste país que estão interessadas nas coisas é enorme, certo? E se a esquerda está apenas oferecendo um conjunto de histórias do tipo “just só” [“é assim”] e respostas pré-fabricadas, isso se torna intelectualmente entediante e as pessoas se afastarão. Então, esse é outro problema com tudo isso: ao reprimir e controlar o pensamento e a fala e se afastar de autores e ideias consideradas impuras, a esquerda está se encurralando em um canto.

Chris Hedges

Você escreve que os millennials, o que eu acho que é verdade, estão meio que se livrando de toda essa cultura woke.

Christian Parenti

Sim, eu definitivamente vejo isso. Provavelmente, porque para eles, esse é o establishment. Não é ousado. São os conselheiros de orientação e os diretores que estão promovendo o clube trans, certo? Nada contra os direitos trans, certo? Eu apoio tudo isso. Mas não se surpreenda se houver uma reação quando isso se tornar a ideologia oficial, e todos são supostos a apenas aceitar os argumentos preconcebidos desse lobby, essencialmente. E, sim, você vê jovens se afastando disso. Infelizmente, às vezes, em algumas direções bastante destrutivas, mas também, eu acho que eles estão apenas superando essas coisas. E certamente houve um florescimento de uma espécie de política socialista nos últimos 20 anos, e uma revitalização do marxismo. Quero dizer, minha geração, os estudiosos da Geração X, quando fomos esmagados por esse momento pós-estruturalista e o anti-comunismo, anti-marxismo, que era central para essas coisas. E assim você aprendeu, talvez até sem saber, que não deveria se aprofundar demais nessas ideias, você pode meio que assumir a existência e a utilidade delas, e você não quer cavar muito fundo. Quero dizer, me disseram explicitamente tais coisas por um criminólogo socialista britânico, Ian Taylor. Um cara ótimo, faleceu, mas ele disse uma vez, acho que é importante você não se identificar como marxista. E ele se identificou como marxista na primeira metade de sua carreira, mas ele me disse isso em meados da década de 90, e estava dizendo, é como se você não fosse conseguir um emprego se fizesse isso, eles vão te acusar de comunista. Ele não disse essa parte, mas isso estava implícito, certo? Mas os mais jovens se livraram disso, e nós… por não sermos críticos em relação à Covid. Você sabe, a Jacobin é um grande exemplo disso, de uma espécie de jovens millennials e Zoomers que estão mergulhando nas questões fundamentais de classe e em todas as literaturas que se acumularam ao longo dos últimos 150 anos que ajudam a luta de classes e a política da luta de classes.

Chris Hedges

Bem, porque essa geração está sendo esmagada, economicamente. Eles foram completamente traídos pelo sistema.

Christian Parenti

Sim, um amigo meu que estava na DSA [Democratic Socialists of America / Socialistas Democráticos dos EUA] quando estava florescendo, eu perguntei a ele, então, por que todas essas pessoas estão na DSA? Ele contou como estavam em alguma reunião, como todo mundo foi contando a história do que aconteceu com suas famílias na crise de 2008. E muitas dessas pessoas, tipo 70% das pessoas na sala, como, sim, você sabe, meus pais, tipo, se separaram porque perdemos a casa. Ou eram apenas histórias de sofrimento real entre pessoas de classe média. Mas havia esse tipo de trauma econômico. Eu acho que essa é na verdade a ruptura chave que ajuda a explicar o renascimento da política socialista e do pensamento marxista. Não que essa política socialista e esse pensamento marxista tenham sempre razão, não. Não que seja completo por si só, não. Mas é absolutamente importante focar os nossos esforços intelectuais e a nossa organização política nas questões centrais de classe sobre quem produz riqueza, como e para quem, sabe? E pensar sobre nós mesmos em relação a essas questões materiais, porque a grande maioria de nós ganha a vida vendendo o nosso trabalho, e a maneira como a vida vai melhorar é se todo mundo se unir e lutar pelo que todos precisam em comum, contra os poucos, os cada vez mais poucos, que estão acumulando mais e mais, e, no processo, na verdade, criando bolhas e crises que prejudicam todos nós e até enlouquecem alguns daqueles donos de capital.

Chris Hedges

Bem, não temos visto uma oligarquia. Quero dizer, figuras como Bezos, ele vale 180 bilhões de dólares? Quero dizer, você provavelmente tem que voltar ao Egito faraônico para encontrar esse tipo de disparidade e depois um sistema que eles distorceram para essencialmente empobrecer o resto de nós e canalizar riqueza para cima, e isso faz você fazer as perguntas certas. Sim.

Ótimo. Esse foi Christian Parenti, professor no John Jay College, e estávamos discutindo seu artigo “O Culto do Cargueiro do Woke.” Quero agradecer a Diego [Ramos] e Sofia [Menemenlis], Thomas [Hedges] e Max [Jones], que produziram o programa. Você pode me encontrar em Chrisedges.substack.com.

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/como-o-wokeness-mata-a-politica-de-classe-e-fortalece-o-imperio