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Envio de THAAD e tropas dos EUA para Israel relega Ucrânia a segundo plano, diz analista

EUA quebram o tabu e enviam tropas e sistema antiaéreo THAAD para Israel em meio à escalada do conflito no Oriente Médio. Presença dos EUA no território israelense busca dissuadir ações do Irã e revela baixa prioridade da Ucrânia para os objetivos de Washington.

Nesta semana, o primeiro grupo de militares norte-americanos desembarcou em Israel para instalar e operar o sistema de defesa antimísseis THAAD. A mobilização do THAAD aumenta as expectativas sobre a escala da retaliação israelense aos recentes ataques realizados pelo Irã.

De acordo com o Pentágono, cerca de 100 tropas norte-americanas trabalham para que o sistema THAAD esteja operacional “em um futuro próximo”reportou o The New York Times.

“Essa ação ressalta o compromisso férreo dos EUA com a defesa de Israel […] e contra quaisquer outros ataques de mísseis balísticos iranianos”, versa declaração do Departamento de Defesa dos EUA.

Já o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araqchi, alertou que os EUA estão colocando em risco a vida de seus militares ao “destacá-las para operar sistemas de mísseis norte-americanos em Israel”, reportou a Reuters.

“Embora tenhamos feito esforços tremendos nos últimos dias para conter uma guerra total em nossa região, digo claramente que não há linhas vermelhas para defender o nosso povo e os nossos interesses”, postou o ministro iraniano Araqchi na plataforma X.

Apesar de o apoio militar norte-americano a Israel não ser novidade, o destacamento de tropas para o território israelense é raro. O engajamento norte-americano nos últimos meses tem se limitado ao envio de navios de guerra e caças para as imediações do território de seu aliado.

No entanto, as vulnerabilidades do sistema de defesa antiaérea israelense se tornaram evidentes durante os ataques iranianos de 1º de outubro. Na ocasião, Teerã lançou cerca de 200 mísseis em série, a fim de saturar a capacidade de interceptação israelense. Como resultado, bases israelenses importantes, como a Nevatim, e equipamentos militares de alto custo, como caças F-35, teriam sido atingidos.

“Israel está em guerra há mais de um ano, e isso gera desgaste nos equipamentos, munição e manutenção que geram vulnerabilidades”, disse o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Sandro Teixeira Moita, à Sputnik Brasil. “Números divulgados por Israel indicam que mais de 20 mil foguetes foram lançados contra o seu território no último ano, o que exige uma grande capacidade de interceptação.”

O especialista explica que o sistema de defesa antiaérea israelense é formado por três camadas: a primeira, voltada para interceptar mísseis de curto alcance, é coberta pelo sistema Cúpula de Ferro (Iron Dome). A segunda, para mísseis de médio alcance, é responsabilidade do sistema Estilingue de Davi (David’s Sling); e a terceira, destinada a interceptar mísseis de longo alcance, fica a cargo dos sistemas Flecha (Arrow).

“Considerando que temos uma grande quantidade de mísseis sendo lançados contra Israel, pode haver dificuldade de reposição de componentes importantes, como o próprio míssil Tamir usado pela Cúpula de Ferro”, disse Moita. “Ainda temos o alto custo de cada interceptação, que coloca pressão sobre a economia israelense.”

A falha do sistema triplo de defesa antiaérea israelense é ainda mais preocupante, se considerarmos o tamanho reduzido do território israelense, de somente 22 mil quilômetros quadrados, pouco superior ao estado brasileiro do Sergipe.

A decisão norte-americana de enviar o sistema THAAD é um indicativo de que os estoques israelenses de interceptadores para os sistemas Flecha e Estilingue de Davi foram bastante reduzidos pelos ataques iranianos de 1º de outubro, reportou o portal Axios.

“Para Israel manter combates de alta intensidade, é necessário ter indústrias operando em alto nível, em regime 24/7. É isso que a Rússia tem mostrado, e essa é a lição que tiramos do conflito na Ucrânia”, disse Moita. “Israel não poderá manter todas essas frentes que abriu no Oriente Médio se não mantiver alta capacidade industrial, porque a fadiga do material militar não é diferente dos materiais que usamos no dia a dia.”

Capacidade do THAAD

O sistema THAAD (Terminal High Altitude Area Defense ou Defesa Terminal de Área de Alta Altitude) é um interceptador móvel superfície-ar projetado para abater mísseis balísticos utilizando força cinética. Capaz de interceptar mísseis balísticos de longo alcance, o THAAD é alimentado por motor Pratt & Whitney de combustível sólido que atinge velocidades de até Mach 8,2.

“O THAAD é o sistema de defesa antimísseis mais moderno que os norte-americanos têm atualmente. Ele foi inicialmente desenhado para interceptar mísseis balísticos de fabricação russa Scud, muito usado pelo Iraque no fim da Guerra Fria”, disse Moita. “Mas o THAAD é extremamente caro, com uma bateria chegando a custar US$ 1 bilhão [cerca de R$ 5,65 bilhões].”

Em função do alto preço e capacidade tecnológica, atualmente somente nove baterias de THAAD estão em operação, em locais como EUA, Guam, Coreia do Sul, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU).

primeira experiência em combate do THAAD tornada pública foi em janeiro de 2022, na interceptação de míssil balístico houthi no território dos EAU. Na ocasião, o THAAD não teria conseguido interceptar todos os projéteis inimigos, resultando em incêndio de parte da estrutura do aeroporto de Abu Dhabi. A possível insatisfação dos EAU com o desempenho do THAAD pode ter motivado a compra de sistemas israelenses de médio alcance, Rafael Spyder.

Após essa estreia controversa, as empresas de defesa norte-americanas que produzem o THAAD poderão utilizar sua mobilização em Israel para aprimorar a imagem do produto no exterior, notou o mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Pedro Mendes Martins.

“Essa é uma excelente situação para você fazer uma propaganda gratuita do equipamento, o que favorece a [empresa que produz o THAAD] Lockheed Martin e a Raytheon [responsável pelos radares utilizados no sistema]”, disse Martins à Sputnik Brasil. “Eles terão a oportunidade de avaliar o equipamento, talvez provar a sua eficiência, em uma experiência parecida com um teste de qualidade.”

Dissuasão

Apesar de o envio de reforços ao sistema de defesa ser uma boa notícia para as Forças de Defesa de Israel, a mobilização dos THAAD tem tanto valor político quanto militar, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

“O emprego americano do THAAD é uma medida política de demonstrar que os americanos estão comprometidos com a defesa de Israel”, considerou Moita. “Mas também é um elemento com enorme poder de dissuasão contra o Irã.”

A exata localização das baterias do THAAD permanecerá secreta, e o fato de tropas norte-americanas estarem no terreno aumenta o risco de qualquer retaliação do Irã em território israelense.

“Os iranianos enfrentarão um dilema, já que haverá risco de um ataque atingir soldados norte-americanos, o que seria um ato de guerra. Então, os EUA mobilizam o THAAD para colocar um novo desafio ao Irã, que não foi completamente dissuadido de atacar Israel, mesmo com todas as tropas, equipamentos, porta-aviões e destróieres que Washington mobilizou no Oriente Médio.”

risco da decisão do Pentágono, no entanto, é dar carta branca aos militares israelenses, que terão pouco a temer caso mantenham a atual escalada nas hostilidades, notou Moita. Por outro lado, com tropas no terreno, a administração Biden espera influenciar o processo decisório israelense com maior grau de sucesso, avaliou o mestre pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Pedro Martins.

“Os EUA colocaram limitações na resposta israelense ao Irã de forma pública, dizendo que as instalações nucleares e petrolíferas seriam uma linha vermelha. E Israel deu sinais de concordar. O envio dos THAAD pode ter sido definido no contexto dessas negociações”, considerou Martins. “Ao colocarem tropas no território israelense, os EUA poderão assumir maior controle da situação no país e influenciar de forma mais eficiente a possível resposta israelense ao ataque iraniano.”

Quem perde com a decisão, no entanto, não são os estoques ou cofres norte-americanos, mas a Ucrânia, que não recebe sistemas de qualidade similar de seus aliados da Casa Branca.

Quem pagará o alto preço desses THAAD não serão os norte-americanos ou os israelenses, mas os ucranianos. A ajuda para a Ucrânia desabou no final do último ano. […] e, mesmo antes, Kiev recebia [dos EUA] materiais obsoletos. Enquanto Israel recebe o sistema mais moderno disponível. Vemos que, com Israel, os EUA têm maior nível de engajamento”, concluiu Moita.

Foto: Staff Sgt. Cory D. Payne

FONTE: https://telegra.ph/Envio-de-THAAD-e-tropas-dos-EUA-para-Israel-relega-Ucr%C3%A2nia-a-segundo-plano-diz-analista-10-18