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O resultado das eleições municipais e a tendência fascista da sociedade brasileira

“Não é fascismo se o vereador mais votado em São Paulo tem como projeto político impedir mulheres trans de usarem o banheiro feminino?”, pergunta Nêggo Tom.

Enquanto boa parte do campo progressista segue tratando a população brasileira mais pobre e periférica como intelectualmente impúbere, a extrema-direita está conseguindo fazer esta mesma população se sentir cada vez mais participativa e decisiva nos processos eleitorais do país. Ainda que isso não seja uma realidade fática e esta população esteja sendo manipulada a acreditar em seus algozes históricos, é inegável que a capacidade de articulação política do fascismo brasileiro vem fazendo com que a esquerda perca eleitores e votos importantes a cada sufrágio universal.

Não vou dourar o texto com o excesso de academicismo que vem sendo uma das causas de a esquerda estar sendo desprezada pelo “povão”, por não conseguir mais se comunicar com uma linguagem mais próxima deste. Podem me tacar pedras, mas o povo trabalhador não tem tempo para saber sobre Marx, Engels ou o escambau da revolução bolchevista. Num país onde a educação é propositalmente sucateada para que os mais pobres não desenvolvam senso crítico e capacidade de avaliação do cenário social onde estão inseridos, isso tudo soa arrogante e presunçoso aos seus ouvidos, e eles respondem nas urnas à não compreensão desse esquerdismo terrivelmente acadêmico.

Alguém pode estar pensando: “uai, Ricardo! Se a população sofre boicote proposital na educação, é óbvio que ela deve ser tratada como incapaz de entender a formação estrutural da nossa sociedade, não?”. Nem sempre. O fato de alguém não entender de economia, por exemplo, não invalida a sua avaliação de como a economia está afetando a sua vida. Se o indivíduo ganha pouco e os preços estão altos, obrigatoriamente ele associará a carestia à política econômica do governo vigente. Porém, enfrentamos um outro fenômeno que a esquerda não tem avaliado como determinante em sua queda de popularidade: a pauta moral e de costumes, também conhecida como hipocrisia conservadora, propagada em aliança entre a extrema-direita e o fundamentalismo evangélico.

Pânico moral estabelecido na sociedade, por meio da conclamação de uma luta do bem contra o mal, tendo o comunismo como o diabo papão que corrompe criancinhas e as incentiva a mudar de sexo, usar drogas e votar na esquerda, o indivíduo pobre que ganha pouco, citado no parágrafo anterior, esquece que a sua principal carência é financeira, abraça a causa divina da defesa moral da sociedade e dos valores cristãos e passa a acreditar que Deus, através da extrema-direita, destruirá os pervertidos e imorais e transformará a nação brasileira num paraíso onde jorra leite e mel. O fato de os vereadores mais votados nas principais cidades do país serem da extrema-direita não me deixa mentir. E além do sucateamento proposital de uma educação que não é libertadora, como preconiza Paulo Freire, precisamos levar em consideração a formação do caráter dessas pessoas. Algo que, normalmente, legitima suas escolhas.

Em São Paulo, Lucas Pavanato, mais um fruto podre da inteligência artificial do MBL, foi o vereador mais votado no ambiente político mais inóspito da atualidade. Um candidato que se elegeu tendo como principal projeto político impedir mulheres trans de usarem o banheiro feminino. Seria conservador se não fosse trágico. Em Belo Horizonte, o vereador mais votado foi Pablo Almeida, do PL, assessor e apadrinhado de Nikolas Ferreira, que se elegeu com uma pauta antiaborto e de bons costumes. As cidades de São Paulo e Belo Horizonte se transformarão nas maiores potências do país se mulheres trans não forem mais ao banheiro e mulheres cisgênero nunca mais abortarem? Não! Mas a ideia de que “Deus” não gosta dessas coisas fala mais alto no imaginário popular. Afinal de contas, “nem só de pão vive o homem”, mas de todo fundamentalismo religioso que sai da boca de falsos profetas, lobistas políticos do fascismo brasileiro.

No Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, do PL, foi o mais votado, tendo quase o triplo de votos do segundo colocado, Márcio Ribeiro, do PSD, um dos nomes apoiados pelo prefeito reeleito, Eduardo Paes. O filho do comerciante de joias do Estado vai para o seu sétimo mandato e já aprovou na legislatura atual o dia do conservadorismo, além de ter proposto uma medida que impede que insetos sejam servidos na merenda escolar do município. Segundo ele, a medida visa prevenir uma possível alteração de cardápio para as crianças, onde elas seriam usadas como cobaias de experimentos alimentares no futuro. Uma prova de que a crise é também psiquiátrica, e que o pânico moral rende muitos votos. Em Porto Alegre, Jesse Sangalli, do PL, foi o campeão de votos para a Câmara Municipal, defendendo o conservadorismo e os valores da direita. O que nos sugere um dilúvio de mais quatro anos na política local, com a provável reeleição do negacionista climático Sebastião Melo.

O saldo das eleições municipais é desastroso para a esquerda, embora haja quem enxergue com bons olhos conquistas paliativas como as de Boulos e Maria do Rosário, que passaram para o segundo turno em São Paulo e Porto Alegre, respectivamente. Infelizmente, a realidade dos fatos e dos votos não nos permite almejar mais do que isso. Dificilmente, apesar da nossa torcida, ambos conseguirão vencer seus adversários bolsonaristas. Hoje, “São Paulo é como o mundo todo”, como já cantou Caetano, onde caretas e picaretas de Paris e Alphaville se apresentam como defensores da população para mamar nas divinas tetas da vaca estatal. A votação de Pablo Marçal e o circo protagonizado por alguns de seus eleitores, que se ajoelharam nas ruas pedindo para que Jesus desse a vitória ao ladrão da cruz, digo, ao ladrão de bancos, e salvasse a cidade do comunismo de Guilherme Boulos, prova que o fundamentalismo fascista religioso é uma das principais ideologias políticas do país nesse momento.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/o-resultado-das-eleicoes-municipais-e-a-tendencia-fascista-da-sociedade-brasileira-871cedji