O BC deixou o barco correr livremente com o cartel e operadores de mercado alimentando uma mídia inepta com terrorismo fiscal.
O Banco Central fez duas intervenções no mercado de câmbio, uma de US$ 4,850 bilhões entre 5a e 6a feira e outra de US$ 4,7 bilhões ontem. E o dólar continuou subindo.
Essa vulnerabilidade – que trouxe a volatilidade internacional do dólar para dentro do país – ocorre apesar de reservas cambiais de US$ 350 bilhões. Deve-se à maneira como autoridades econômicas, todas amarradas a interesses de rentistas, administraram a política cambial nas últimas décadas. Flexibilizou-se a posse de dólares nas mãos dos exportadores, permitiram-se abertura de contas em dólar por pessoas físicas. Enfim, uma série de medidas integrando o mercado financeiro aos mercados internacionais, sem que o país dispusesse de uma moeda forte.
O golpe final foi a introdução do Regime de Metas Inflacionárias, colocando nas mãos do mercado, nas chamadas expectativas, a definição da taxa de juros básica da economia.
Tudo isso em um país com o principal instrumento de criação de expectativas – a mídia – capturada pelo mercado e incapaz de trazer uma discussão racional ao tema.
Não é de hoje. Nos anos 50, com a necessidade de dólares para financiar os investimentos, grupos estrangeiros – e mídia da época – criaram um estratagema. A lei permitia a remessa de um percentual do capital externo registrado. Multinacionais tomavam empréstimos em cruzeiros, e engordavam o capital registrado. Sobre esse valor fictício, faziam remessas para fora.
Getúlio Vargas aprovou uma Lei de Remessa de Lucros impedindo a manobra e foi alvo de campanha inclemente, visando fundamentalmente explodir o câmbio. A campanha foi endossada por jornais brasileiros e norte-americanos.
Banqueiro, nomeado embaixador nos Estados Unidos, Walther Moreira Salles cumpriu a missão didática de explicar a lógica da medida. Mas só conseguiu o empréstimo ponte que tirou o país do estrangulamento cambial quando se associou ao Secretário de Estado Douglas Dillon, e, juntos, passaram a adquirir títulos da dívida brasileira devidamente depreciados, e que se valorizaram quando o governo norte-americano aprovou o empréstimos ao Brasil.
A lógica de então é similar ao jogo especulativo de agora: se deixar a fixação do câmbio nas mãos do mercado, as “expectativas” dos agentes será sempre buscar o movimento que maximize os lucros. É por isso que o mercado fica extremamente vulnerável a movimentos de cartelização. Juntam alguns grandes investidores, passaram a empurrar o dólar em determinada direção. Adquirem posição e, em seguida, empurrar as “expectativas racionais” na direção contrária, para vender suas posições por um preço melhor.
No caso brasileiro, essa cartelização foi pessoalmente comandada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quando, ainda em fevereiro, começou a alertar para a situação “catastrófica” das contas públicas – em cima de uma discussão sobre meros 0,5% de déficit, sendo trabalhado por pacotes fiscais.
O BC deixou o barco correr livremente com o cartel e operadores de mercado alimentando uma mídia inepta com terrorismo fiscal.
Depois do estouro da boiada, não se espere mais nenhuma racionalidade. O agente econômico não quer saber se os indicadores são bons ou ruins: o que interessa é saber para que direção caminha a irracionalidade do mercado.
Foi o que levou, anos atrás, economistas – alguns até sérios – defendendo a tese da “dominância fiscal” – que ocorre quando a dívida pública e os déficits fiscais crescem de forma insustentável.
No caso brasileiro, a única variável fora do eixo é a taxa Selic, que remunera parte relevante da dívida pública. Com o terrorismo, o mercado busca a profecia auto-realizada. O déficit primário é ridiculamente pequeno – fala-se em 0,25% do PIB tendendo para o equilíbrio. Mas o terrorismo infundido nas expectativas jogam a Selic para o espaço. Por conta de um estouro mínimo nas metas inflacionárias, o BC programou três altas de um ponto na Selic, em poucos meses – amarrando a próxima gestão do banco.
Ora, com a Selic a 12,25%, podendo aumentar mais dois pontos em pouco tempo, não há ajuste fiscal que compense. Assim, cria-se o fantasma da dominância fiscal. E, à medida em que o fantasma vai adquirindo corpo, mais se pressiona por aumento da Selic, aumentando ainda mais o fantasma da dominância fiscal.
Some-se o que ocorre na economia americana. A tributação sobre as importações provocará inflação – tendo como consequência o aumento dos juros internos. A redução dos impostos dos grandes grupos aumentará os lucros e dividendos. Ambos os movimentos transformarão os EUA em sorvedouro de dólares, fortalecendo ainda mais os movimentos do cartel dos juros.
Enquanto isto, na ponta da economia real, empresas cortam investimentos, vendem ativos, produzem menos, deprimindo a receita fiscal.
Conclusão: atuar nesse ambiente apenas manobrando juros e vendendo dólares é o caminho óbvio para o desastre. O cartel já tomou conta totalmente das expectativas.
Se os especuladores não forem machucados, por regulações ou mesmo por investigações contra o cartel, haverá um desastre pela frente. Está na hora do BC começar a preparar a saída do Regime de Metas Inflacionárias e da liberalização cambial absurda das últimas décadas.
FOTO: Salvador Dali
FONTE: https://jornalggn.com.br/coluna-economica/luis-nassif-se-o-regime-de-metas-nao-for-revisto-desastre-a-vista/